É possível o reconhecimento da paternidade e transmissão da cidadania austríaca via judicial na Áustria?
Essa questão chega ao meu escritório todas as semanas. A regra geral já sabemos, para que um homem possa transmitir a cidadania austríaca aos seus descendentes, é necessário que ele seja casado com a mãe destes filhos. Neste artigo vamos falar daqueles que ficaram excluídos, ou seja, dos filhos considerados “ilegítimos” à luz da lei austríaca.
Importante lembrar que esta regra discriminatória foi alterada em 2013. Portanto, os filhos de homens austríacos nascidos a partir desse ano recebem a cidadania austríaca de seus pais independente do estado civil desse homem.
Mas o que acontece com os filhos que nasceram antes de 2013?
Frequentemente, os clientes nesta situação chegam ao meu escritório pedindo por uma solução pela via judicial (muitos impulsionados pelo procedimento adotado na cidadania italiana, que foi muito popularizada no Brasil).
Após exaustivos debates junto às autoridades e advogados austríacos, trago as seguintes considerações.
Concluímos que o procedimento não seria viável. O posicionamento atual das cortes austríacas não é favorável ao reconhecimento de paternidade com a finalidade de transmissão da cidadania, diferente do que acontece no direito italiano.
O entendimento da corte constitucional é de que não é possível realizar judicialmente uma alteração ao entendimento legal de forma retroativa, pois isto geraria um sentimento de insegurança em relação ao ordenamento jurídico austríaco.
Ao meu ver, a viabilidade do pedido teria como base a recente emenda à lei de cidadania austríaca (§58.c StbG) que permite de forma facilitada a naturalização de descendentes de vítimas de perseguição nazistas, sem qualquer restrição em relação ao estabelecimento da filiação. Ou seja, essa emenda de lei permite a transmissão da cidadania desconsiderando as regras gerais que diferenciam filhos legítimos e ilegítimos. O problema é que essa alteração é limitada a um grupo restrito que se enquadra aos requisitos específicos de perseguição pelo partido nazista.
Essa emenda traz um frescor revolucionário à lei de cidadania austríaca, ampliando o rol de descendentes que hoje tem direito à dupla cidadania austríaca, no entanto deixa ainda mais evidente a discriminação causada pelas regras gerais de transmissão da cidadania.
Foi com base neste mesmo raciocínio que recentemente a Alemanha alterou sua lei de cidadania. Hoje, os descendentes de alemães que antes eram excluídos pelas normas gerais, que diferenciavam filhos legítimos e ilegítimos, podem apresentar o pedido de reconhecimento da cidadania alemã. No entanto, essa possibilidade foi limitada a um lapso temporal de 10 anos.
Levando em consideração a proximidade dos dois ordenamentos jurídicos, alemão e austríaco, minhas esperanças seriam no sentido de seguir na Áustria os mesmos passos que levaram ao convencimento das cortes alemãs, de modo a impulsionar essa mesma alteração. Infelizmente, meus pares, advogados austríacos especialistas no tema, não compartilham da mesma expectativa.
Caso deseje avaliar os riscos e a viabilidade financeira do processo, o procedimento seria o seguinte:
1. Apresentação do pedido de cidadania austríaca pela via administrativa, com a finalidade de obtenção da negativa formal;
2. Apelo à corte administrativa de Viena, com a finalidade de obtenção da segunda negativa;
3. Apelo à corte superior, com a finalidade de questionar a inconstitucionalidade da lei que levou às negativas anteriores.
No entanto, não é garantido que a questão chegará nem mesmo à apreciação da corte constitucional, uma vez que há o risco de indeferimento liminar da matéria no momento de pré-análise, conforme o entendimento atual dos magistrados.
O investimento estimado seria de cerca de €100.000,00, com prazo estimado superior a 5 anos.
Por ser um investimento alto de tempo e recursos financeiros, sem garantia de retorno positivo, não posso recomendar este procedimento.
Se, no entanto, a família puder dispor destes recursos e decidir seguir com a tentativa, na hipótese de se atingir um resultado positivo esta decisão pode acarretar mudanças na lei que venham a beneficiar diversos outros descendentes.